Por mais interesse que tenhamos em conhecer a nós mesmos, não sei se não conhecemos melhor tudo aquilo que não somos nós. Providos pela natureza de órgãos destinados à nossa conservação, só os empregamos para receber as impressões estranhas, só buscamos nos voltar para fora e existir fora de nós; muito ocupados em multiplicar as funções de nossos sentidos e em aumentar a extensão exterior de nosso ser, raramente fazemos uso daquele sentido interior que nos reduz a nossas verdadeiras dimensões e nos separa de tudo o que não nos pertence. No entanto, é esse sentido que devemos utilizar se quisermos nos conhecer, é o único pelo qual podemos nos julgar. Mas como dar a esse sentido sua atividade e toda a sua extensão? Como separar nossa alma, na qual ele reside, de todas as ilusões do nosso espírito? Perdemos o hábito de empregá-la, ela ficou sem exercício no meio do tumulto de nossas sensações corporais, ficou ressequida ao fogo de nossas paixões; o coração, o espírito, os sentidos, tudo trabalhou contra ela.
-- Buffon, Hist. Nat., t. 4, p. 151, "Da natureza do homem".