"Vejo em todo animal apenas uma máquina engenhosa à qual a natureza deu sentidos para recompor-se ela própria e para proteger-se, até certo ponto, contra tudo o que tende a destruí-la ou a desarranjá-la. Percebo exatamente a mesma coisa na máquina humana, com a diferença de que nas operações do animal a natureza faz tudo, enquanto o homem contribuiu com as suas na qualidade de agente livre. Um escolhe e rejeita por instinto; o outro por um ato de liberdade. Isso faz com que o animal não possa afastar-se da regra que lhe está prescrita, mesmo quando lhe seria vantajoso fazê-lo, e que o homem dela se afaste com freqüência, para seu prejuízo. Assim um pombo morreria de fome junto a um prato cheio das melhores carnes, e um gato junto a um monte de frutas ou cereais, embora ambos pudessem perfeitamente ingerir o alimento que desdenham se lhes ocorresse experimentar. Assim também os homens dissolutos se entregam a excessos que lhes causam febre e a morte, por que o espírito deprava os sentidos e por que a vontade ainda fala quando a natureza se cala."
Rousseau - Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.