A IMAGEM DIVINA
Por Clemência, Piedade, Paz e Amor
todos rezamos na aflição;
e para tais virtudes deliciosas
se volta a nossa gratidão.
Pois Clemência, Piedade, Paz e Amor
é Deus, nosso pai adorado;
e Clemência, Piedade, Paz e Amor
o Homem, Seu filho e Seu cuidado.
Pois a Clemência tem um peito humano,
e o Amor forma humana celeste,
e um rosto humano tem a Piedade,
e a Paz exibe humana veste.
Assim todo homem, pelo mundo afora,
que reza em sua humana dor,
pede só à divina forma humana
Clemência, Paz, Piedade, Amor.
E amar a forma humana devem todos,
sejam pagãos, turcos, judeus;
onde habitam Clemência, Amor, Piedade,
ali também habita Deus.
ELEVAÇÃO
Por sobre os pantanais, os vales orvalhados,
As montanhas, os bosques, as nuvens, os mares,
Para além do ígneo sol e do éter que há nos ares,
Para além dos confins dos tetos estrelados,
Flutuas, meu espírito, ágil peregrino,
E, como um nadador que nas águas afunda,
Sulcas alegremente a imensidão profunda
Com um lascivo e fluido gozo masculino.
Vai mais, vai mais além do lodo repelente,
Vai te purificar onde o ar se faz mais fino,
E bebe, qual licor translúcido e divino,
O puro fogo que enche o espaço transparente.
Depois do tédio e dos desgostos e das penas
Que gravam com seu peso a vida dolorosa,
Feliz daquele a quem uma asa vigorosa
Pode lançar às várzeas claras e serenas;
Aquele que, ao pensar, qual pássaro veloz,
De manhã rumo aos céus liberto se distende,
Que paira sobre a vida e sem esforço entende
A linguagem da flor e das coisas sem voz!
Para nós, só havia um dever e um destino: chegarmos a ser perfeitamente nós mesmos, conformarmo-nos inteiramente à semente da natureza em nós ativa e vivermos tão entregues à nossa vontade que o futuro incerto nos encontraria prontos para tudo que pudesse trazer consigo.
Máscaras
Piedade para estes séculos e seus sobreviventes
alegres ou maltratados, o que não fizemos
foi por culpa de ninguém, faltou aço:
nós o gastamos em tanta inútil destruição,
não importa no balanço nada disto:
os anos padeceram de pústulas e guerras,
anos desfalecentes quando tremeu a esperança
no fundo das garrafas inimigas.
Muito bem, falaremos alguma vez, algumas vezes,
com uma andorinha para que ninguém escute:
tenho vergonha, temos o pudor dos viúvos:
morreu a verdade e apodreceu em tantas fossas:
é melhor recordar o que vai acontecer:
neste ano nupcial não há derrotados:
coloquemo-nos, cada um, máscaras vitoriosas.
Pablo Neruda, '71
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